"The Leftovers" mói, destrói e faz chorar. Mas é das melhores séries dos últimos anos
Ao contrário de produções de segunda, esta nunca cede ao facilitismo tosco de tentar explicar o que levou o mundo ao colapso. E é devastadora.
Se esta fosse a entrada de um diário, teria de começar mais ou menos assim: “Querido diário, sou horrível a organizar-me e a gerir prazos.” A newsletter de junho nunca vos chegou ao e-mail porque, muito resumidamente, não consegui enviá-la.
Além de dores de cabeça, a pandemia trouxe-me também um novo projeto (mais tarde falo-vos disto) ao qual dediquei todo o meu tempo e a minha atenção — mesmo depois de não sei quantas horas de trabalho diário.
É engraçado que, apesar de mantermos este contacto há já alguns meses, foram poucas as vezes que vos falei exatamente sobre o que faço. Bom, sou jornalista. Mais especificamente, jornalista de cultura da MAGG.
“Porque é que isto é relevante?”, poderão estar a perguntar. Porque por vezes surge a oportunidade de fazer coisas giras e que podem até estar relacionadas a esta newsletter.
A mais recente, se me permitem a confissão, foi este trabalho que partiu do Twitter quando decidi perguntar às pessoas que me seguiam quais eram as suas principais queixas com a HBO Portugal.
É que mais de um ano depois do arranque do serviço em Portugal, os problemas continuam os mesmos — alguns deles mesmo muito chatos — e a lista só tem vindo a crescer. Espero que gostem de ler. Os representantes do serviço, claro, escolheram não comentar.
Apesar de tudo, fica difícil desistir da plataforma porque as séries que lá estão, muitas delas exclusivas, fidelizam. E por falar em serviços de streaming, já se sabe quando é que a Disney+ chega a Portugal. Marquem na agenda: 15 de setembro.
Mas vamos ao que interessa. Estas são as séries mais interessantes que deveriam estar a ver.
“Defending Jacob” (Apple TV+)
Esta apanhou-me completamente desprevenido. Nunca achei piada a Chris Evans (o Capitão América, para os amigos) que, aqui, é o grande protagonista juntamente com Michelle Dockery de “Downton Abbey”.
A história é muito linear e força-nos, ao longo de oito episódios, a duvidar constantemente de um miúdo que pode ou não ter morto, brutalmente, um colega de turma. Para que não seja fácil tomar partido, os argumentistas vão atirando novas revelações que fazem mossa no caráter de um jovem que, à primeira vista, parece são e que é obrigado ao escrutínio sem escrúpulos dos media.
Só que as certezas e as respostas vão sendo sempre poucas e isso atraiu-me até ao fim, porque há essa crueldade inerente à constatação, por vezes cliché, de que nunca conhecemos verdadeiramente uma pessoa por muito próxima que ela nos possa ser.
A escrita não é perfeita e sai prejudicada pela duração da série da qual se podiam ter cortado dois episódios. Há também vários buracos narrativos, especialmente quando são referenciados detalhes ou momentos que apenas servem para chocar e que não são aprofundados mais tarde.
O final é frustrante, pouco satisfatório e duro. E embora não pareça, é um elogio. Porque tal como a vida, a ficção não tem de oferecer respostas ou conclusões definitivas. E isso aleija.
“The Leftovers” (HBO)
Foram poucas as séries que alguma vez me fizeram chorar e “The Leftovers” foi talvez a única que não consegui ver de seguida; que me obrigou a longas pausas entre episódios e a respirar fundo antes de começar um novo. A explicação, uma de muitas, está na narrativa e no impacto que ela tem não só nas personagens, mas também nos espectadores.
A série arranca com a exposição de um mundo novo: 2% da população mundial desapareceu de um segundo para o outro e os que ficam são obrigados a fazer o luto de família, amigos e conhecidos que não sabem para onde foram e que, muito provavelmente, nunca voltarão a ver.
Ao contrário de outras séries de segunda que tentaram idealizar cenários apocalíticos e devastadores, esta nunca cede ao facilitismo tosco de explicar as causas do evento. O foco é incidido sobre as personagens a quem são retiradas todas as possibilidades de se reconciliarem com o inexplicável.
Mas uma série que aborde um evento de proporções bíblicas e o luto dos que ficam precisa de investir no desenvolvimento de cada personagem — e isso tem tanto de desafiante como de imprevisível. E o que é imprevisível e difícil de digerir nem sempre agrada ao espectador comum que procura, acima de tudo, ser entretido enquanto vê televisão.
Emocionalmente, é devastadora porque além de nos ser próxima (o luto aproxima-nos), é, acima de tudo, uma história de pessoas que, confrontadas com a tragédia, precisam umas das outras. Não para salvar o mundo, mas para o tornar mais habitável e para que faça mais sentido no meio do caos.
E não me lembro, em televisão, de ver um protagonista masculino (Justin Theroux) tão frágil e tão vulnerável que não tivesse medo de quebrar o estereótipo castrador de que os homens não choram.
“Perry Mason” (HBO)
Conheço pouco, muito pouco, de “Perry Mason” e só lhe dei uma oportunidade porque tem o grande Matthew Rhys (de “The Americans”) como protagonista. E também não fiz o trabalho de casa porque sou preguiçoso, mas sei que a personagem passou, ao longo de 90 anos, por séries de televisão, filmes, livros de banda desenhada e programas de rádio.
Enquanto que na versão protagonizada por Raymond Burr (entre 1957 e 1966), Perry Mason foi um advogado de defesa criminal, na versão da HBO é um investigador privado que tanto se presta a ver investigar os affairs de estrelas de Hollywood como, de repente, se vê a braços com um crime bizarro em Los Angeles de 1932 quando um rapto de uma criança acaba de forma trágica.
Não sei exatamente para que lado vai esta série, uma vez que o segundo episódio só chega à HBO Portugal nesta segunda-feira, 29 de junho.
Mas as interpretações estão excelentes (já tinha saudades do senhor John Lithgow), a fotografia é um regalo para o olhos e o ambiente gritty da série atrai-me ao ponto de querer ver mais.
Em plena pandemia, numa altura em que a minha concentração bate mínimos olímpicos, têm sido poucas as séries capazes de me prender à primeira.
“The Americans” (Sugestão de Tiago Dias)
“Não conseguiria, ainda hoje, ver dois episódios de ‘The Americans’ seguidos. Há demasiado para digerir. Houve semanas em que adiava ver o episódio porque não conseguia gerir a tensão. É uma série exigente desse ponto de vista. Estás sempre à espera de que aconteça o inevitável.
Porque sabes que vai acontecer. Sabes que a série decorre numa América prestes a assistir ao colapso da União Soviética e que aquele casal (que de par no ecrã passou a par na vida real) tem os dias contados enquanto espiões a fingir viver o sonho americano.
Atrações em jeito de telegrama: a banda sonora imbatível, o argumento delicado, as interpretações contidas de todos os envolvidos, o retrato dos dois países. Quem me dera nunca a ter visto para poder estar a ouvir a ‘Tusk’ dos Fleetwood Mac pela primeira vez.”
Obrigado a todos os que continuam desse lado. É já uma frase feita, mas não imaginam o que isso significa para mim.
Um obrigado especial ao Tiago Dias, jornalista da Agência Lusa, por ter aceite o convite para falar sobre “The Americans”. Sigam-no no Twitter.
Vemo-nos na próxima edição.
Fábio Martins