De volta à Baltimore real e filha da mãe de David Simon
Voltar à Baltimore de The Wire, como se de lá nunca tivéssemos saído.
Ligeiro atraso no lançamento desta newsletter, mas o bicho da COVID-19 chegou a esta casa e inspirou (alguns) cuidados. Mas está tudo bem. Estou bem.
Antes de começarmos, um pequeno esclarecimento. Na newsletter passada, escrevi que a nova temporada de Borgen estrear-se-ia a 14 de abril na Netflix. Lapso meu.
Na verdade, a nova temporada da série foi para a streamer nesse mesmo dia, mas apenas nos países nórdicos. Cá, só aparece em junho. Mas não é grave, até porque houve muita coisa para ver em abril e os próximos tempos serão muito assim — com noivas novas a sair regularmente, agora que já podemos falar em alguma normalidade, apesar de o bicho continuar aí.
Deixo-vos as minhas sugestões e uma pequena listagem do que vão poder ver ainda em este mês.
We Own This City (HBO Max)
David Simon e George Pelecanos regressam a Baltimore, mas é como se de lá nunca tivessem saído. Tal como The Wire, We Own This City (com dois episódios já estreados), bebe da experiência de 12 anos de Simon enquanto jornalista para o The Baltimore Sun — embora a série seja inspirada no trabalho do jornalista, da mesma casa, Justin Frenton — e de uma pitada daquela realidade crua e filha da mãe a que nos habituou logo em 2002. Porque a Baltimore que vimos na ficção era bastante real.
Aqui, o foco está num grupo de polícias que, em 2017, foi julgado por crimes como tráfico de droga, desvio de dinheiro e excesso de violência.
Quando We Own This City começa, vêmo-la estando cientes de nomes como Breonna Taylor ou George Floyd, mas a série passa-se dois anos depois do caso Freddie Gray, um jovem de 25 anos que morreu uma semana depois de ter sido detido. A morte resultou em protestos e distúrbios violentos em Baltimore — a mesma de David Simon que, já desde The Wire, aparenta não ter regras.
Embora We Own This City se afaste bastante bem do magnum opus de David Simon, há semelhanças inegáveis. O primeiro episódio desafia, tal como The Wire o fez aquando da estreia, aquilo que são entendidas como as regras da boa escrita para televisão e que exige, no episódio piloto, a introdução de algumas (poucas) personagens que sejam essenciais para a ação. David Simon e George Pelecanos importam-se pouco com isto e mostram-nos uma Baltimore povoada, viva e sempre dividida entre a lei e o faroeste através de inúmeros rostos.
A exposição é, quando em comparação com The Wire, mais contida, mas é isso que se pede quando isto é vendido, anunciado e promovido como uma minissérie. Porém, o ritmo arrastado de The Wire está lá.
O elenco é de luxo e Jon Bernthal está excelente no papel do corrupto Wayne Jenkins que só não roça a caricatura porque 1) é feita com uma qualidade fantástica, dando-lhe camadas; e 2) sabemos que, tal como a Baltimore real de Simon, também estas personagens extravasam as linhas da ficção.
Recomendo vivamente.
Heartstopper (Netflix)
Heartstopper chega numa altura curiosa à Netflix. Apesar de continuar a liderar o mercado, a streamer anunciou ter registado, pela primeira vez em dez anos, uma quebra significativa de subscritores (200 mil, para ser mais exato) e a oferta de originais está, à falta de melhor termo, algures entre o mau e o medíocre.
Entretanto, a concorrência vai lançando banger atrás de banger (Severance, na Apple TV+, e Winning Time e We Own This City, na HBO Max).
De volta a Heartstopper. Trata-se de uma adaptação do livro, traduzido para português e integrado no Plano Nacional de Leitura, de Alice Oseman. E que belíssima adaptação de uma história boy meets boy que não aleija ninguém, mas é pedagógica e confortável num mundo que, sabemos, nem sempre aceita a diferença.
A série conta a história de Charlie e Nick. Um deles é o nerd da escola, assumidamente gay, e outro um tipo charmoso, o mais popular entre as miúdas, que vai descobrindo a sua sexualidade. É, para mim, e a par de outras como It's a Sin (HBO Max) e Special (Netflix), das mais importantes que saíram nos últimos tempos pela forma como dão visibilidade a quem tantas e tantas vezes não a tem.
A alma e o coração da série reside no duo principal, nos amigos que os acompanham e na forma como a história vive embrulhada numa bolha sanitária e protetora em que até o bullying mais agressivo parece, à falta de melhor termo, quase de brincar.
É, em partes, inverosímil, claro, porque o mundo é um lamaçal para lá das linhas que Heartstopper traça. Mas no meio de tanta lama, ainda bem que há séries que, além de inclusivas e representativas (especialmente numa streamer gigante como a Netflix), me deixam com um sorriso enorme enquanto as vejo.
Tokyo Vice (HBO Max)
Apesar de a HBO Max em Portugal não respeitar o ritmo de lançamento dos EUA (dois episódios por semana), agora não importa. Quem ainda não a viu, já a vai apanhar na reta final (faltam, à data de lançamento desta newsletter, apenas três episódios para o final) e vale muito a pena.
É um thriller noir bem jeitoso que embora pareça uma série completamente diferente depois do primeiro episódio (o único que Michael Mann realiza), entretém. Principalmente para quem, como eu, absorve tudo o que é cultura japonesa. A série adapta o livro biográfico de Jake Adelstein, o primeiro jornalista americano a fazer carreira num dos maiores jornais japoneses, e que aqui é representado por um fraquíssimo e desinteressante Ansel Elgort.
Mas o submundo do crime no Japão, a forma como a Yakuza se movimenta e a presença de Ken Watanabe são mais do que suficientes para nos fazer esquecer a ausência de um protagonista carismático que queiramos acompanhar. Tokyo Vice tem ainda o bónus de não se levar demasiado a sério através da inclusão de momentos bem tontos, é certo, mas hilariantes.
Como aquele em que um jornalista e um Yakuza cantam Backstreet Boys e se debatem sobre o verdadeiro significado da letra da canção "I Want It That Way"
Jake Adelstein, o jornalista, acaba de anunciar um novo livro que continua os acontecimentos daquele que a série adapta. Teremos sequela no horizonte? Não me importaria nada. Nada mesmo, pá.
Outras coisas a que devem estar atentos este mês
The Staircase chega à HBO Max a 6 de maio;
A segunda temporada de Tehran chega a 6 de maio, à Apple TV+;
How I Met Your Father a 11 de maio, na Disney+;
The Essex Serpent, com Claire Danes e Tom Hiddleston, a 13 de maio na Apple TV+;
Conversations With Friends, adaptado do livro com o mesmo nome de Sally Rooney, e feita pela mesma malta que adaptou o Normal People, vai estar na HBO Max a 15 de maio;
A segunda temporada de Hacks chega a 12 de maio à HBO Max;
Quarta temporada de Stranger Things a 27 de maio, na Netflix. O primeiro volume;
Obi-Wan Kenobi a 27 de maio na Disney+;
Weeds vai estar na HBO Max a 28 de maio.
Obrigado a todos por continuarem desse lado.
Vemo-nos para o próximo mês.
Fábio Martins