Nunca fui fã de Da Weasel, mas pareceu-me adequado.
Pois é. Adivinhem quem voltou? A última newsletter que vos chegou ao e-mail foi enviada a 28 de junho de 2020. Ainda não sabíamos (quando muito, desconfiávamos), mas vinha aí uma nova fase da pandemia e esperavam-nos meses complicados logo após o Natal. Espero que estejam todos com saúde e fortes. É um gosto poder continuar a escrever para vocês e já somos muitos.
Deste lado, posso assegurar-vos de que estou bem. Mais velho do que em junho de 2020, seguramente mais cansado e resmungão, mas ainda aqui. A ver muitas séries, a querer mais coisas para ver e a queixar-me do tempo que não tenho para acompanhar tudo o que vai saindo.
De volta a isto. Faz sentido.
É o que tem de ser, parece-me. E o que tem de ser tem muita força. Vou fazer um esforço para que isto se mantenha regular, mas sintam-se à vontade para me cobrar uma newsletter não enviada a tempo e horas. Sei que virá de um lado bom e fofinho.
Vamos às sugestões deste mês.
"Dr. Death" (HBO)
Pessoas que sofram de síndrome de bata branca, é evitar esta série ao máximo. Há muito consultório, muito bisturi, algum sangue e muitos instrumentos médicos a bater em ossos em órgãos que não deveriam ser mexidos. Já estão se estão a contorcer? Pois é.
"Dr. Death" é baseada numa história tão real que, antes de ser uma série, foi um podcast de true crime. Conta a vida do neurocirurgião Christopher Duntsch que embora se apresentasse como um profissional perfeitamente capaz, era tão bera que os pacientes em que punha as mãos saiam pior do seu bloco operatório do que quando entraram.
A série é tudo menos linear e exige uma atenção redobrada para que não se perca o fio durante os inúmeros saltos temporais que são essenciais para perceber se este Duntch é, na verdade, incompetente ou um monstro. Enquanto lhe conhecemos o traço, a série apresenta-nos outra narrativa em paralelo: a dos esforços de dois médicos que tentam, a todo o custo, pôr fim à carreira de quem está empenhado em fazer mais mal do que bem.
Alec Baldwin e Joshua Jackson estão irrepreensíveis.
"Dexter: New Blood" (HBO)
Cerca de oito anos depois de um final desastroso, Michael C. Hall juntou-se a Clyde Phillips, showrunner das quatro primeiras (e as melhores, dirão os puristas) temporadas, para um desfecho que pudesse fazer mais sentido. Esta "New Blood" foi promovida como uma minissérie, mas vamos mesmo acreditar nisso? O final que, entretanto já saiu, não muda a minha tese: teremos mais “Dexter”. De uma forma ou de outra.
O que encontramos nestes novos episódios é uma repetição da fórmula do passado, com tudo o que isso tem de bom e de mau. Se formos honestos, percebemos que, mesmo quando estava em altas, "Dexter" sempre foi uma série mediana, de diálogos orelhudos, embora pouco convincentes ou credíveis, e de contornes dignos de qualquer novela de segunda.
Não era, por isso, expectável que "New Blood" fosse diferente. Os diálogos tontos estão de volta e não me conseguiram convencer de que não teria sido melhor um reset total. Na verdade, interessa-me pouco perceber se este regresso terá sido bom ou mau (mas acho que foi mau). Sou um puto. Esta era a série que via todas as segundas, após as aulas, para esquecer os dramas que um miúdo tem.
Veio em boa hora. E vale a pena ver ou revisitar.
É já a minha primeira série deste ano. Da autoria de Edgar Medina e Rui Cardoso Martins, “Causa Própria” é um whodunnit que pisca o olho à estética, cada vez mais popular e apetecível, dos policias noir. A direção de fotografia é taciturna, sombria e muito atraente. Mas isto vem de quem devorou tudo o que de bom há de nordic noir na televisão.
A série é uma tragédia grega em movimento que, passada em Portugal, conta a história de uma família que vê a sua vida virada do avesso quando um jovem aparece morto num parque. Estou a ser propositadamente vago na descrição porque não quero estragar a surpresa a ninguém. Nuno Lopes, Margarida Vila-Nova e Catarina Wallenstein estão excelentes nos papéis principais.
Quanto ao resto, vou apenas acrescentar isto: fala-se pouco de temas de abertura de séries que, acredito, são um bom indicador da qualidade da produção. Um bom genérico demonstra cuidado, atenção ao detalhe e brio. Todas as boas séries têm um e o de “Causa Própria” não foge à regra. Mais: ouço (e vejo) muito de Twin Peaks ali. Entendam isto da forma que quiserem. Mas vejam.
“The White Lotus” (HBO)
Compreendo perfeitamente os que não apreciaram “The White Lotus”. Também entendo muito bem os que gostaram. A série sabe bem o que quer dizer e sobre quem, mesmo que a mensagem possa parecer difusa entre o caos e o desnorte. Não há uma forma certa de a interpretar e isso é elogio que baste à escrita, sempre subtil e mordaz.
Não há uma história no verdadeiro sentido do termo. A “história”, essa, passa por acompanhar o desenvolvimento das personagens — tal como nós, contraditórias, com camadas e experiências passadas que nos moldaram no que somos hoje. Quando as encontramos pela primeira vez, não fazemos ideia de que já estarão numa segunda vida.
Armond, o diretor do hotel, é um bom exemplo desta ideia de segunda (terceira ou, quiçá, quarta) encarnação. Aquilo que conhecemos dele até ao fim faz-nos pensar nas inúmeras vezes em que terá estado na lama. É-nos omitido, claro, porque nós próprios não nos revelamos assim a estranhos. Talvez a história, então, de “The White Lotus” seja essa: a de que, tal como as personagens, também nós somos perturbados em diferentes graus. Escondemos a fragilidade (maior ou menor) por trás da máscara que usamos quando nos projetamos para o exterior.
Eventualmente, ela cai.
“The White Lotus” é, a par de “Succession”, uma das séries mais bem escritas dos últimos, sei lá, dez anos.
“Scenes From a Marriage” (HBO)
Quando “Scenes From a Marriage” começa, somos recordados de que aqueles dois atores estão só a trabalhar. Oscar Isaacson e Jessica Chastain entram em estúdio, põem as alianças nos dedos, leem os guiões e esperam pelo grito de ação que põe a máquina a mexer. Estão só a representar, diz-nos a série da HBO, mas nem por isso sentimos com menor intensidade o colapso de um casal cuja ideia casamento de sucesso assenta numa casa relativamente modesta, numa filha (que tem zero relevância para a narrativa) e em carreiras mais ou menos preenchidas.
Mas é tudo uma fachada que camufla o ódio, o ressentimento, a condescendência e o desdém. Em que as palavras, quais granadas, são arremessadas de um campo para o outro sem que nenhum dos lados se importe com os estragos.
De alguma forma, assistimos impotentes porque também nós já presenciámos ou protagonizámos (e, portanto, somos sensíveis) a um espetáculo deprimente e pornográfico como aquele, em que dois amantes deixam de se importar se os golpes que disferem um no outro podem resultar em knockout.
Não chega aos calcanhares do clássico de Bergman, também na HBO, mas entretém.
E porque esta newsletter arranca em pleno início de ano, vamos a balanços e perspetivas para o futuro.
As minhas séries de 2021
“Succession” (HBO);
“The White Lotus” (HBO);
“Mare of Easttown” (HBO);
“It’s a Sin” (HBO);
“The Underground Railroad” (Prime Video);
“Only Murders in the Building” (Disney+);
“Mr. Inbetween” (HBO);
“Line of Duty” (BBC. A nova temporada está a passar na RTP2 e RTP Play);
“WandaVision” (Disney+);
“Ted Lasso” (Apple TV+)”;
“Mythic Quest” (Apple TV+);
“Maid” (Netflix);
“For All Mankind” (Apple TV+).
As (boas) séries que vamos poder ver em 2022
“Moon Knight” (Disney+):
“Ozark" (Temporada 4, Netflix);
“Masters of the Air” (Apple TV+);
“The Crown” (Temporada 5, Netflix);
“Pam & Tommy” (Disney+);
“The Marvelous Mrs. Maisel” (Temporada 4, Prime Video);
“The Dropout” (Hulu);
“Russian Doll” (Temporada 2, Netflix);
“Better Call Saul” (Temporada 6, Netflix);
“The Lord of the Rings” (Prime Video);
“Hacks” (Temporada 2, HBO Max);
“Borgen” (Temporada 4, Netflix).
… Haverá mais.
Coisas várias a que devem estar atentos nos próximos tempos e alguma leitura recomendada
Afinal, como está a Apple TV+ em comparação com a concorrência? A resposta simples é: a Apple não concorre no mesmo plano do que os outros serviços;
No rescaldo de "The Many Saints of Newark", o filme prequela de "The Sopranos", David Chase assinou um contrato de cinco anos com a WarnerMedia, que quer uma série. Chase, por sua vez, quer mais um filme, mas a ideia não está a entusiasmar ninguém;
Como "Succession" dá corpo à miséria espiritual de que padecem aqueles ricos obscenos, lascivos e odiosos;
O próximo filme de Taika Waititi será uma adaptação do comic "The Incal", escrito por Alejandro Jodorowsky e ilustrado por Jean Giraud (ou Mœbius, como era conhecido);
Fãs de banda desenhada devem espreitar, urgentemente, a série "A Righteous Thirst For Vengeance", escrita por Rick Remender e ilustrada por André Lima Araújo. Encontram-na à venda na Kingpin Books e BdMania (em Lisboa) e na Mundo Fantasma (no Porto);
“Golden Girls” (ou “Sarilhos Com Elas”) está na Disney+;
O filme “Portrait of a Lady on Fire” foi adicionado ao catálogo da HBO;
A série “Station Eleven”, da HBO Max e elogiada pela crítica internacional, vai começar a ser legendada para português em breve;
“The Tragedy of McBeth”, realizado por Joel Coen e com Denzel Washington e Frances McDormand nos papéis principais, já está na Apple TV+;
Michael Imperioli (o Christopher de “The Sopranos”) vai entrar na nova temporada de "The White Lotus”. Estou em ânsias;
A última temporada de “Peaky Blinders” está quase aí e promete ser a mais negra de todas, especialmente dado o contexto: o presságio de uma nova Grande Guerra no horizonte.
Obrigado a todos por continuarem desse lado.
Vemo-nos para o próximo mês.